- Pode não. Diacho! É um homem! Agora dei pra ser veado?
As mãos se contorciam, agarrando-se, entrelaçando os dedos em nós surreais. Fitou-as e, por milésimos, lhe vieram os dois corpos enlaçados da mesma forma, a cena que ricamente imaginara entre batidas de relutância.
Como seria nu? Nunca o vira assim; ele nem mesmo desnudava o peito. Andava sempre empacotado, vestido em roupas grossas, volumosas.
Era magro, disso sabia. E bastante feminino. Achou esta desculpa para deixar-se olhando para as mãos mais um pouco sem remorsos. Ele, corpulento, arrebataria aquele corpinho sem dificuldade, quisesse ou não colaborar na realização de seus desejos. Mas o faria somente no último instante de negação, quando as saídas se esvaíssem; antes lhe tentaria convencer de toda maneira. Trazê-lo para dentro de seus braços, para que desfrutasse de todo o carinho que comportava a lhe dar.
- Mas um homem! Desatou os dedos num puxa-arranco só.
Puxou os cabelos com força.
- Que estou pensando?
Um homem! Um homem! Um homem! Um macho. Testículos, próstata, testosterona, barba, goto e… pênis! Aquele órgão erguendo-se para tomá-lo…
- Não!
Jurou não se meter com aquilo. Resistir, se afastar. Mas as mãos, entrando pelos cabelos, instavam em juntar. Buscou colocá-las longe; segurou-as, separadas, aos braços da cadeira.
- Não aguento!
Deixou que as duas se abraçassem novamente, suadas, nervosas em prosseguir com o ato interrompido. Amaram-se com a selvageria dos estalos que soavam dos dedos contorcidos.
Se era para ser, seria ativo, antes de tudo. Nada de ser mulherzinha de ninguém. O pegaria, com virilidade, como o caçador, o guerreiro. Decidido a não perder o ímpeto que se acendia, levantou, e correu para encontrá-lo.
Não precisou chegar à casa dele. Achou-o na rua. Vinha embrulhado no seu casaco preto de veludo. A vontade fez o ansioso esquecer do frio da noite; saiu quase sem roupa. Sentiu não estar mais belo para encontrar seu amado.
Agarrou o transeunte pelos braços.
- Sei que isto é uma aberração. Mas eu… eu te amo!
- Aberração? Que há de errado em um homem amar uma mulher?