Estava difícil de saber se era verdade o que me contava. Também, com aqueles óculos segurados na cara, não poderia saber mesmo. Pensei mandar tira-lhes; mas hesitei na atitude, sem conseguir achar desculpa no momento para aquele gesto. Não seria de bom-tom dizer: “Tira os óculos que quero ver se está mentindo”. Honesto, porém rude. Mais uma vez as máscaras de minha cortesia me impuseram sofrimento. Ai, como dói!
Lembrei-me por um instante dum antigo colega de escola. Este sim não pecava por esconder. Obrigado a usar lentes escuras, folgava delas a maior parte do tempo. Os óculos lhes serviam mais à mão que à cara. Mantinha um segurar constante, abrindo e fechando as pernas da armação, constituindo assim parte essencial de sua expressividade; tanto que havia até quem dissesse, quando os colocava: “no rosto não!”. Ele ria e regressava à aparência habitual. Grande Clécio!
E aquele demônio diante de mim teimava em não seguir o exemplo admirável de meu amigo. Desde o início da conversa não os retirou um só momento. Fez alguns movimentos provocativos, que me animaram, mas nada.
Então desabrochou um pequeno plano na mente. Avancei a mão para acariciar-lhe o rosto e, fingindo distração, meti na lente esquerda o polegar cuidadosamente untado no óleo do pastel que comia, arrastando-o um pouco ainda por cima.
- Oh, me perdoe!
- É nada.
Baixou a armação e pôs limpar a mancha que deixei usando um guardanapo de papel. Limpei rápido meu dedo e pus as mãos sobre as dela.
- Como dizia?