O punhal rasgava a carne. Era a terceira vez? Quarta? Quinta? Décima? Sabe-se lá. Deveria ser milésima sexta ou algo parecido. Mas não ficava inerte, por mais que repetidos os golpes - no inferno não há inconsciência: fica-se bem acordado para sentir cada uma das torturas.
Pensava no porquê de ter parado ali, ou pelo menos tentava, pois lá não se é possível habituar à dor. Não merecia. Quem merece?
O ladrão que estava ao seu lado não merecia. Aquele mesmo que se contorcia a sua direita, empalado numa lança de ferro incandescente. Qual seu crime? Uns carros que roubou? Dois ou três homens que estirou mortos? Ninguém conta o medo que tinha. Sim, morria de medo. Era só um pequenino num mundo de gigantes. A gatunagem é consequência, os assassínios, precaução.
E o estuprador a que os demônios sodomizavam com aríetes? Dignava-se de tal castigo? De modo algum. Acaso a virgindade será restituída às vítimas por sua violação? Não! Castrem-lhe logo e deixem-no em paz.
Fitou a expressão triste do Diabo, que passava. Céus! Aquilo que lhe brota aos olhos, é uma lágrima?
- Por que choras, carrasco de todos nós? Gritou tentando espairecer o padecimento.
- Porque este é o meu castigo.