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 Mundo Perfeito

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João Barbosa




Mensagens : 67
Data de inscrição : 14/10/2009

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MensagemAssunto: Mundo Perfeito   Mundo Perfeito Icon_minitimeQua Out 14, 2009 10:08 am

Mundo perfeito

A vida é cruel. Esta foi única verdade que Sólon conheceu na infância - a vida é dura. Não é que houvesse alguém que lhe explicasse, que repetisse estas palavras ao seu ouvido de noite. Ele sentiu: na fome, na miséria, na dor, na morte. Que há de bom nesta existência cruel? Deveria de haver algo, pois os ricos riam tanto… Por que estavam sempre rindo? Será que não tinham problemas como os outros? Foi se esculpindo na cabeça do menino a idéia de que não havia felicidade longe da riqueza. As duas andavam juntas, entrelaçadas, como um par de namorados que se amam em plena rua, sem pudor algum.
O pai não passava de um bêbado. Quem mantinha a casa, com toda a dificuldade, era Dona Maria. Simples, simplória na verdade, insistia na união com aquele ser repugnante a quem chamava marido; apanhava, era humilhada, tinha o dinheiro, ganho com tanto esforço, roubado e desperdiçado nas mesas dos bares das redondezas. Mas ela insistia, indo buscá-lo depois de cada bebedeira, levando socos muda, com a esperança besta de que o esposo mudaria um dia. Ele nunca mudou. E o pobre Sólon, vendo e ouvindo tudo, ia para um canto e chorava. “O mundo é feio”, se fixava o pensamento.
O garoto cresceu olhando torto para a vida. “Dinheiro e os problemas vão embora”, pensava, “só preciso de dinheiro”. Começou a corrida louca atrás de lucros. Pobre e ignorante, não tinha chance alguma de concorrer com outros mais espertos e abastados que ele. Contudo, insistiu, continuou. Arranjou umas laranjas e saiu vendendo pelo centro da cidade.
A situação foi melhorando, vendia bem. Um dia, um velho de barba e cabelos compridos e grisalhos, com roupas esquisitas, comprou uma; tirando uma moeda do bolso para pagar, olhou o rapaz com seus olhos mortos e disse: “cada um de nós é tudo”. Entregou a moeda e afastou-se.
Sólon ficou confuso com a asserção do homem. Que raios queria dizer com aquilo? Que eu sou tudo? Que tudo sou eu? Diabo de velho doido!
A frase tomou-lhe os pensamentos por semanas a fio. Às vezes, não ia trabalhar; ficava em casa, refletindo sobre a afirmação. Assistira a um filme naquela época, um “não sei o quê dos anéis”; lá tinha um velho parecido com aquele outro - todos diziam que era sábio e que as palavras dele possuíam grande peso. Se este também fosse, deveria ganhar alguma coisa interpretando o que ele dizia.
Sua carente filosofia não conceberia mais significados complexos para aquela máxima. Mesmo assim, na simplicidade podem-se encontrar as respostas sublimes. Considerou que, se ficasse rico e feliz, todos ficariam também.
Estaria certo? Duvidou muito, mas a mente não paria outra coisa. Calou a incerteza e disse para si mesmo que estava absolutamente correto.
Com a obstinação, ou melhor, a constatação, sua missão mudou. Não estava agora em suas mãos mudar só o seu destino, mas o da humanidade. Sólon estremeceu. Deus, que grande responsabilidade! O labor se intensificou. Trabalhava desde antes do raiar até a noite, planejava as diretrizes de seus negócios, fazia tantas contas quanto permitia sua pequena instrução. A riqueza não chegava e ele se desesperava, com medo de falhar na tarefa que lhe foi confiada.
Depois de muita luta, finalmente a sorte pareceu olhá-lo. De repente, o crescimento de seus empreendimentos disparou e acabou rico enfim. A cada nota adicionada a sua conta bancária, percebia sorrisos saltarem nos rostos das pessoas com que convivia. Estava conseguindo! Via tudo ficar bonito, saudável; esgotos, antes abertos, recebiam tubulação, as ruas, asfalto, os famintos, comida. A perfeição tomava conta do mundo.
No entanto, uma chispa de dúvida ainda se mantinha acesa. O mundo mudara mesmo ou era só imaginação sua? “Mas o velho não podia ter dito outra coisa…”, forçou-se a apagar a hesitação. Como imaginação? Via tudo acontecendo!
Vieram-lhe a memória as esperanças da mãe. O trabalho exagerado dado pelo desígnio tão importante que carregava o levou para longe da família. Não a via a um longo tempo. Agora, a chance de reencontrá-los bem, felizes, de esquecer o passado, o animava sobremaneira. Não se lembrava de ter visto o pai sóbrio alguma vez; pensava em como estaria agora: altivo, belo, são.
Rumou para a casa onde morou na infância; deviam ainda morar no mesmo barraco. Foi andando. Desde que as transformações começaram no mundo, desenvolveu um súbito prazer de caminhar, apesar de ter um carro caríssimo. Gostava de admirar sua obra, de falar com as pessoas, de apreciar a alegria delas.
E foi subindo o morro, ansioso.
Pena que Sólon havia enlouquecido. Via felicidade onde esta não existia; as ruas ainda eram esburacadas, as pessoas ainda tinham fome. Violência, tristeza e morte não haviam acabado. Enquanto subia a encosta que dava para casa dos pais, policias trocavam tiros com bandidos dentre os barracos.
Já bem perto, sentiu, de repente, uma forte dor no peito: levara um tiro. Deu de ombros. Olhou, procurando o motivo do incômodo, mas nada viu. Pensou ser um ataque cardíaco. A vista foi turvando e o corpo começou a enfraquecer. Curvou-se mais e as pernas bambearam. Encostou num poste, confuso, fazendo força para ficar de pé.
O sangue jorrava de si, havia gente correndo, gritando, chorando por todo lado, mas Sólon nada conseguia perceber. Só via habitações formosas e pessoas que conversavam cordialmente, sentadas nas calçadas.
A visão embaçava mais. Ao levantar os olhos, procurando por ajuda, viu, de longe, a figura do pai. Demorou a reconhecê-lo, não pelo o turvejar da vista e sim pela diferença que distinguia o pai que conhecera quando criança e o que se punha ali nesse momento. Estava como previra, tão bonito, tão nobre, parecia um cavaleiro dos filmes medievais, possuía uma velhice cheia de vigor e sabedoria. Estava magnífico…
Sólon tentou correr para abraçá-lo. Não conseguiu: tombou e viu a imagem com que tanto sonhara desaparecer aos poucos, até, enfim, morrer.
O velho pai sorveu mais um gole de cachaça.
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