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O Ócio Produtivo
 
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João Barbosa




Mensagens : 67
Data de inscrição : 14/10/2009

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MensagemAssunto: Significando   Significando Icon_minitimeQua Out 14, 2009 10:09 am

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- Telúrico? O que é isso?
- Não sei - respondeu baixando o livro. - Esse doido também! Onde será que ele arranjava essas palavras? Dá uma olhada no dicionário.
- Acho que nem nele tem - brincou. Ela deu um meio sorriso, sem achar graça da piada, só por educação e carinho.
Curvou-se para o lado e apanhou o compêndio, que não por acaso estava no criado-mudo em que apoiava o braço enquanto ouvia a leitura.
- Vejamos… - passou as páginas de uma vez com o dedo, depois voltou e procurou a parte do “T”.
- Telúrico - recomeçou em tom e discurso - relativo à Terra, relativo ao solo, relativo ao telúrio.
- E o que é telúrio? - disse a outra.
- Você não vai me fazer procurar outra palavra, não? Já dá pra entender, vai!
- Dinho… - falou manhosa - eu tenho que fazer esse trabalho bem. Procura pra mim, procura…? - terminou com um biquinho realmente difícil de resistir. Cedendo ao apelo, reabriu o dicionário sem protesto.
- Telúrio, telúrio… Ah, aqui! Telúrio: elemento de número atômico 52, não metálico, pulverulento, preto-acinzentado, símbolo Te.
- Pulverulento?
Dinho fechou o dicionário e pousou-o sobre as coxas com algum barulho e uma cara de desgosto fingida. Ela gargalhou:
- Tô brincado.
Depois de mais uma risada continuou a ler o “Monólogo de uma sombra”, consultando o pai-dos-burros por repetidas vezes, dezenas na verdade. Estas buscas eram a única coisa que o impediam de dormir. Quando ela lhe perguntou o que entendera do longo poema, a única coisa que disse foi que falava de esterco e de irmão-jumento, dizendo que se tratava de seu cunhado.
- Quem é teu cunhado? - perguntou a menina, tentando entender a piada.
- Nada, voei - respondeu corado.
Queria que o cunhado de quem gozava fosse o irmão dela. A amava profundamente.
- Vamos, vamos. O que eu entendi…?
Estudaram até as nove, então ela foi embora. Na porta, antes de ir, lhe deu um abraço apertado.
- Obrigada - disse com os braços enlaçando o pescoço dele. Ele, reciprocando, mantinha as mãos na cintura dela.
- Não há de quê. Vem sempre que precisar, tá?
- Tá. Tchau.
- Tchau.
As mãos não queriam, mas tiveram que separar-se daquele corpo que ia caminhando através da rua. Ficou a admirá-la. Por que não correr e pedir um beijo? “Deixa pra próxima”, pensou consigo. É que esta próxima nunca chega…
Entrou e permitiu-se cair sentado na mesma poltrona onde estivera por horas. Percebeu que o dicionário ainda estava na mesinha lateral. Pegou-o e, sem motivo, lembrou que não tinha procurado o significado de pulverulento. Descerrou as páginas e volveu as folhas, encontrando a palavra no canto da página. Estava lá, sem significado em sua frente, apenas uma nota: ver pulveroso.
Não precisou fazer grande esforço para encontrar; estava apenas uma palavra acima. Topou com poeirento, mas conhecia esta palavra. Cessou, recostou o dicionário e foi dormir.
Na manhã seguinte, recebeu cedo a visita de alguém muito especial: Mafalda, a avó. “Vó Ma”, como chamava, trazia na mão um objeto que despertou logo o interesse; não que vê-la portando algo de estranho não fosse normal. Tinha consigo sempre coisas vindas do interior, que os parentes mandavam de lugar e tempo desconhecidos, dando usos inesperados a esses objetos.
- Que é isso vó? - disse ainda na porta.
- É uma corda de paina - respondeu a avó enquanto entrava.
Sentaram-se e conversaram durante toda manhã. Dona Mafalda era boa de papo; contava histórias riquíssimas da sua juventude. A visita acabou antes do almoço, pois a avó não gostava da comida do neto.
Novamente sozinho, comeu de improviso e se esticou no sofá para a cesta. Percebeu que o dicionário ainda estava sobre a mesma mesinha. Lembrou imediatamente da paina da vovó. Tomou-o e, catando a palavra, entendeu que se tratava de um cipó que se usava para fazer cordas. Não obstante, encontrou vários vocábulos esquisitos: bombacáceas, asclepiadáceas e tifáceas, desses monstros que Biologia inventa. Procurando só encontrava mais e mais expressões que não conhecia ou que queria entender melhor, e buscava-as também. Mas, ao encontrá-las, advinham outras, mais e menos complexas. O estudo lexicológico prosseguiu até, dois dias depois, sem comer, dormir ou fazer qualquer outra coisa, o dicionário terminar. Havia visto tudo.
Revirou nervoso as páginas, tentando achar alguma que não tivesse lido. Não encontrando nenhuma, arremeteu o livro contra o chão; “droga de dicionário, apenas mil e duzentas páginas!…”.
O telefone tocou. Atordoado, atendeu tremendo, era um colega de trabalho:
- Oi Dinho, é você? Por que você não veio trabalhar esses dias?
Nem mesmo escutou o que o amigo dizia. Saiu porta a fora em busca de novos estudos, deixando o fone jogado.
Correndo pela rua a procura de uma livraria onde pudesse conseguir um novo compêndio, via as diversas placas, vitrines, panfletos, repletos de nomes, fazendo que lhe viessem à mente os sentidos, sinônimos, antônimos, parônimos e o que mais tivesse lido naqueles dois dias. Murmurava as palavras, quebrando uma com outra, passando umas por cima das seguintes, pois tudo afluía como uma torrente; desenfreado, arrítmico.
As letras batiam nele. Contorceu-se e, com a cabeça entre as mãos tombou:
- Tombo: ato ou feito de cair; queda, tombamen… - falou entre os dentes e desmaiou.
Acordando, uma figura começou a se formar em meio ao embaço inicial. Estava num quarto de hospital.
- Dinho? - era ela.
- O que isso quer dizer? Perguntou confuso, esfregando os olhos.
- Dinho, esse é seu nome - respondeu pausadamente.
- Nome: palavra ou palavras com que se designa pessoa, animal ou coisa… - começou a proferir mecânico, com os olhos arregalados e sem expressão.
- Dinho!
Ele parou por um instante, fitou-a morto e retorquiu:
- Não sei o quer dizer com isso. Você pode me contar?
As lágrimas correram pelo rosto da garota que fugiu do aposento. Dinho continuou a repetir os significados das últimas palavras que disse e as poucas que se podia notar no quarto.
Foi transferido para a ala psiquiátrica do mesmo hospital onde tinha sido recolhido. Durante a terapia, livros, jornais, revistas e, principalmente, dicionários foram afastados dele. Teve de ficar isolado o mundo exterior durante um tempo; não pôde receber visitas, porque sua conversação era pejante até para os profissionais e os psicólogos consideraram um golpe muito duro para a família e amigos ver um rapaz, antes normal, naquele estado.
Passaram três meses.
Marcou-se o fim da terapêutica. Ela foi buscá-lo.
- Dinho?
Ele a mirou profundamente.
- Amor: - parou - você.
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