A tampinha

“Tic, tic”, a tampinha quicou no chão. “Legal”, pensou num daqueles pensamentos que não se formulam em palavras na cabeça. Segundo chute: “legal”, “tic, tic”.
Deu um terceiro e a vontade de continuar aumentou. Como seria levá-la até em casa? “Agora em linha reta”; outro chute e novo pensamento inconsciente.
A tampinha rolava sobre seus dentes, girava em torno de si mesma e, às vezes, caía deitada parando. “Ah, não pode!”, metia-lhe o pé para que continuasse.
Quem teria tomado o refrigerante a que pertencia aquele tampo? Não sabia. Devia ser alguém muito estúpido para abandoná-la assim, invés de ir brincar com ela. Ou talvez fosse um cara muito legal que quisesse partilhar um divertimento tão estupendo com quem não pode comprar refresco. Se fosse, o garoto que a chutava agora era muitíssimo malvado, pois podia comprar o seu e arranjar sua tampa, mas ficava ocupando a de quem não podia.
Perturbou-lhe a idéia. Que atitude mais feia! Mas o pé parecia não querer afastar; desejava chutar, queria ver os movimentos daquele pedacinho de metal no asfalto. “Deus, me dá forças para resistir!”.
Continuou bicando o latão. Ele foi seguindo direto, depois entortou, deu uma volta… “Tic, tic”, a tampinha caiu num bueiro.
“Ufa! Que alívio”.